No faz-de-conta da democracia atuaríamos como meros coadjuvantes? O voto em branco seria um golpe de sobriedade numa batalha já perdida? Essas são questões levantadas por José Saramago em Ensaio Sobre a Lucidez.
Estamos na mesma cidade qualquer de seu ensaio anterior (apesar de marcas no texto indicarem solo lusitano), cenário que há quatro anos serviu de palco para a pandêmica peste branca, mas desta vez o que assombra o governo não é a imensidão leitosa vista pelos seus cegos, e sim a opção em massa pelo voto em branco. Aqui cada indivíduo age como célula de um grande organismo, o que impede toda e qualquer tentativa dos chefes de estado para descobrir a célula-mãe responsável por desestabilizar a ordem e progresso edificados pelo dever eleitoral.
Não há personagens por quem torcer ou, como em Ensaio Sobre a Cegueira, se deixar guiar, são tipos comuns que representam diferentes unidades: de um lado o estado e, na outra margem, o povo. A narrativa carrega um tom de “thriller político” e segue arrastada até metade do livro, quando reconhecemos rostos de outrora, mas já é tarde. Saramago pontua a história de forma mortal e guarda para as últimas páginas de seu ensaio ecos de um ceticismo não somente político, mas humano.
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