Num dia qualquer, em mais uma de suas navegações, W observa uma construção branca com detalhes em rosa e cores em tons violeta. Respira fundo e decide entrar. Antes de bater à porta, atravessa um jardim com pedras em formato de estrela. Bate três vezes, com intervalo de um minuto em cada uma delas, pois gosta de pensar no tipo de material de que as coisas são feitas (talvez madeira) além de estar atento aos possíveis ruídos de resposta. Ninguém atende, mas W é paciente. Uma borboleta amarela toca a maçaneta da porta num bater de asas leve e convidativo.
W entra e percebe que a casa é de alguém que, apesar de dividir o pequeno espaço com outros, está muitas vezes só. Não há divisões que separem os cômodos. O incansável andante de calçadas se senta à mesa de frente para a pia, observa o gotejar da torneira. Não sabe, mas em outra casa que conhecerá em outra ocasião, uma figura distinta conhecida por Y julgaria o não fechamento completo da torneira digno de cento e um anos de prisão, justo. E antes que esqueça, Y irá visitar W algumas vezes e dirá que a canção entoada por uma arisca e estranha criatura que se esconde no armário não é de seu agrado, mas de qualquer forma, vai gostar da disposição dos quadros na parede da simpática moradia dos pensamentos de W.

A porta é aberta (após trinta gotas de um minuto cada) por um sorriso claro e olhos de girassóis, é X. Não diz nada, lança um olhar amigável à visita nunca antes vista, abre um armário antigo e preto do qual tira uma fatia de bolo de chocolate. Diz que mordeu um pedaço no café da manhã, mas deixou a outra parte porque pensou que poderia conhecer alguém desconhecido naquele dia. Bebem café requentado, W não gosta de café, mas precisa permanecer acordado. Levantam, alguns passos até a porta do que W pensou ser o banheiro, é o quarto de X. Discos sobre a pequena cama, canções que W ainda não conhece porque não são de seu agrado, mas podem ser no outono... Planos para o futuro pendurados no varal de X que apresenta parte de seu mundo no período de quase quatrocentas gotas, W acha diferente do seu, mas repetirá a visita outras vezes.
Na calçada, trocam acenos de adeus com sabor de "até outra hora". Andando, após conhecer X naquela vida, W sente falta da aparente melancolia de alguém que não vê há muito tempo, desejo de tardes nubladas, os gatos e o grande instrumento que tocava, som profundo e instigante. W prefere não visitar mais pessoas que tanto reclamam da existência e não definem o discurso com títulos e subtítulos, pois W quer conhecer paredes de vermelhos tijolos sensíveis, mas consistentes. No caminho, pegadas da bota de X que levam para o lugar de Y, velhos conhecidos.

W está próximo da construção onde tenta viver, não perderei tempo em descrevê-la, pois estamos nela. W pensa que tudo poderia ser melhor se fosse e não fosse, depende da situação e quanto é oferecido (uma virtude, tem ambições), mas tenha certeza que posicionamentos contrários são dispendiosos. Recebe poucas e raras visitas, se não fosse por iniciativa própria não trocaria experiências sonhadas. Possivelmente lhe falte a centelha que torna os seres humanos paralelos, uniformizados, bem penteados e reais. W é diferente, mas negativamente "diferente" porque não encontra a oca dos outros iguais a ele, pois talvez não existam na era do fogo arcaico (?). É fim de tarde, sobe os degraus feitos de livros lidos. Banho tomado, prepara chá e biscoitos, ouve a canção que vem do armário, a valquíria parece mais irônica do que em outras luas. Ruído da noite, rascunha, rabisca, lê e... finalmente, dorme fisicamente.
* Postagem publicada originalmente no dia 06.10.07. Um dos poucos textos que salvei antes de limpar o antigo arquivo do blog.
nossa...ainda bem que vc salvou então...
ReplyDeleteme deu a oportunidade de ler...
adorei esse texto...
surreal...
detalhistas...mas uns detalhes que me instigaram...o tempo medido pelas gotas...
nossa...
ah...axei teu blog na comu...prazeres de amelie poulain...mto bom...
continuarei a frequentar!!^^
Eu lembro de ter lido esse texto no teu blog. Aliás, acho que foi uma das primeiras coisas que li aqui. :]
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