Da integridade do ser

Despiu-se, mas continuava vestido de alguma coisa que não era roupa no corpo. Não era visível, mas sentia pregado na pele as marcas indeléveis do ato, corpo contra corpo. Estava manchado de uma culpa que deveria ser compartilhada. Se mensurava os riscos? Talvez. Só não imaginara que a brincadeira (curiosidade infantil) pudesse fugir de seu controle.

É, o prazer turva a visão e o orgasmo cega, quando recobramos os sentidos já é tarde, a merda está feita. Experimentara os sabores de uma excitação violenta. Numa troca de fluidos ascendera aos céus e voltara num abrir e fechar de olhos, não percebendo os limites, imergiu livre para o inferno. A cabeça latejava, o coração pulsava num compasso atropelado. O corpo ardia, febril.

Nu, abriu o chuveiro. As primeiras gotas tocaram a superfície da epiderme como óleo na frigideira (ovos fritos). Embora a água estivesse fria, por dentro sentia-se quente, pelando. Pegou o sabão e deu início a expurgação. Uma mão lava a outra. O mesmo tato que violara o corpo agora tenta se livrar das impressões do suposto crime, esfrega com uma força raivosa, mas não sai. A pele está curtida pelos bruscos movimentos de penitência.

Não adianta, está ensebado de uma coisa que é ele próprio, placenta. O pelo do corpo não facilita o asseio. Prazeroso seria arrancar os fios – a lâmina repousa ao lado, suja com a espuma da barba feita pela manhã. Usa generosa quantidade do xampu, mas a cabeça ainda coça, pesada. Com estranha vergonha toca a parte há muito censurada, o que servira ao paladar é agora sexo morto, órgão insosso.

É boneco de piche. Im-preg-na-do.

Desiste. Nádegas no chão, deixa a água escorrer com a derradeira esperança de que leve alguma coisa pelo ralo. Curiosamente experimenta um gosto salgado nos lábios, lágrimas. Quem sabe limpa a sujeira da alma? Com vagar percebe o próprio corpo dentro de si, o líquido penetra os poros. Lá fora o tempo escoa. A consciência de quem é afaga o próprio ser que, desintegrado da vida, inexiste. Uma coisa viscosa e bordô escorre em sinuosas linhas pelo ralo.

- ouvindo... 8 Ou 80 - Pitty